terça-feira, junho 22, 2004

TCU - Será que vai funcionar?

Governo fere Constituição ao bancar esporte, diz TCU
Tribunal produz levantamento inédito sobre política para o setor e conclui que governo erra ao concentrar dinheiro em atletas de ponta e pouco investir na base


O Ministério do Esporte não tem política definida para comandar o setor e fere a Constituição ao direcionar grande parte dos investimentos para atletas e modalidades de alto nível. A conclusão é do Tribunal de Contas da União, que elaborou levantamento sobre as políticas públicas de apoio ao esporte utilizadas no Brasil.
A iniciativa é inédita e surgiu depois que o TCU começou a trabalhar de forma mais intensa no âmbito esportivo. Desde 2002, o tribunal fiscaliza a aplicação dos recursos da Lei Piva, que destina 2% das verbas das loterias federais ao comitê olímpico e ao comitê paraolímpico do país.
O estudo abordou ações referentes ao período entre 2000 e 2003 e toca no ponto que mais gera celeuma na área.
Sai governo, entra governo, o debate sobre o destino das verbas públicas para esportes segue igual: vale mais investir na base -a longo prazo, formando atletas no nascedouro- ou no topo, injetando recursos em atletas de elite que dão retorno imediato?
Para o TCU, a solução para a dúvida está na Constituição. O texto cita o artigo 217 para mostrar que a orientação seguida nos últimos anos está equivocada.
Diz o trecho que é dever do Estado fomentar a prática esportiva e observar "a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento".
Não é o que se vê na realidade.
Nas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Estado passou a aportar mais recursos no esporte via estatais ou por verba orçamentária -e a elite ganhou boa parte do dinheiro.
No governo Luiz Inácio Lula da Silva, que criou um ministério exclusivo para o setor, o patrocínio de estatais a esportes de alto rendimento cresceu ainda mais.
No período analisado pelo TCU, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e o CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro) receberam, respectivamente, R$ 95,6 milhões e R$ 19,5 milhões da Lei Piva. Do orçamento de R$ 567 milhões que o ministério teve no mesmo período, apenas 6,4% foram designados, segundo o planejamento da pasta, ao esporte educacional.
No relatório, o TCU pede que o ministério formule "uma política nacional de esporte que, entre outras características, observe a Constituição, segundo a qual os recursos públicos deverão ser destinados prioritariamente ao desporto educacional".
No apanhado de informações sobre as ações públicas voltadas ao esporte, o tribunal concluiu que deslizes como a inadequação dos investimentos à Constituição ocorrem porque o ministério não define prioridades.
Na visão do TCU, falta uma "política nacional de esporte", um norte global para conduzir a atuação da pasta em todos os setores.
O relatório cita como exemplo a participação de empresas estatais no fomento das atividades esportivas. Entre 2000 e 2003, R$ 270 milhões saíram de organizações como Banco do Brasil, Petrobras, Correios, e Caixa Econômica Federal. Cerca de 97,6% desse montante, contudo, foi destinado ao esporte de alto rendimento, "em total inversão da orientação expressa na Constituição", segundo as palavras do relatório.
O TCU diz que, caso o Ministério tivesse um sistema bem definido de como pretende investir os seus recursos, poderia discutir com as estatais formas de fazer o dinheiro chegar também à base.
Agnelo Queiroz, que assumiu a pasta em 2003, avisou que iria priorizar a criação de projetos de inclusão social em sua gestão.
Co-autor da Lei Piva e com forte apoio do COB, contudo, ele precisou atender também às modalidades competitivas.
Para o TCU, não resta dúvida de que o esporte e os atletas de alto rendimento ainda lideram -e com folga- essa queda de braço.


O QUE É, O QUE É?

Órgão foi criado em 1890 para fiscalizar União
O Tribunal de Contas da União, órgão que auxilia o Legislativo, foi criado em 1890 e pode exercer a fiscalização contábil, financeira e patrimonial da União.
Após a criação da Lei Piva, ganhou destaque no mundo esportivo. No ano passado, por exemplo, apurou que o COB bancou com dinheiro público parte do passeio de atletas e dirigentes da ginástica artística na Disney. O comitê paraolímpico também já teve irregularidades apontadas pelo tribunal.



Pan-07 no Rio é novo alvo do tribunal

A mira agora está voltada para o Pan-Americano de 2007.
O Tribunal de Contas da União acredita que o evento será uma das prioridades do Ministério do Esporte durante os próximos anos. E, justamente por isso, pretende escoltar passo a passo o que será feito no Rio.
A pasta de Agnelo Queiroz criou o Rumo ao Pan 2007 para destinar verba ao principal evento esportivo das Américas.
Como o Pan deve mexer com grande volume de dinheiro, o TCU quer fazer um acompanhamento do projeto. A fiscalização deve começar em julho ou agosto.
Entre 2004 e 2007, a pasta informou que deve investir R$ 172,7 milhões no Rumo ao Pan.
Na visão do tribunal, é importante iniciar desde já o acompanhamento, pois o programa vai investir em obras. Serão empregados recursos na construção e em reformas de diversas praças esportivas do Rio.
O TCU crê que, nesses casos, os efeitos estratégicos das verificações são mais eficientes quando as obras estão em andamento do que depois de finalizadas.
Outro programa que será acompanhado a fundo pelo órgão nos próximos anos é o Segundo Tempo, que sucederá o Esporte na Escola, criado em 2001.
É uma iniciativa conjunta do Ministério do Esporte e do Ministério da Educação e tem como objetivo democratizar o acesso à prática esportiva nas escolas.
Novamente, o volume de verba que o projeto deve movimentar fez o tribunal listá-lo como alvo de investigações. Entre 2004 e 2007, o Segundo Tempo deve receber R$ 138,6 milhões.
Ao contrário da Lei Piva, porém, os recursos do Ministério estão sujeitos a eventuais cortes orçamentários. Até maio, por exemplo, o Ministério dos Esporte gastou apenas 0,01% do que estava previsto. Ou seja: o valor que os projetos receberão pode mudar.
Para Orlando Silva Júnior, secretário-executivo da pasta, as fiscalizações do TCU nos programas Rumo ao Pan 2007 e Segundo Tempo são "muito positivas".
Segundo Silva Júnior, o TCU vai receber uma visita de membros do ministério nos próximos dias para apresentar detalhes da política que a pasta vai seguir. (GR)



OUTRO LADO

Ministério cita gestão FHC e quer novo rumo

O Ministério do Esporte diz que o período avaliado pelo TCU engloba aspectos do governo anterior e que a atual gestão assumiu uma pasta "sem uma política delineada".
"Quando entramos, não existia uma política nacional. Nós fizemos uma proposta inicial e agora vamos concluí-la com as idéias surgidas da Conferência Nacional do Esporte", disse Orlando Silva Júnior, secretário-executivo do Ministério.
O evento ao qual ele se refere foi encerrado anteontem e reuniu cerca de 83 mil pessoas para discutir novas formas de investimento na área.
Sobre os recursos destinados ao alto rendimento que ferem a Constituição, Silva Júnior informou que a atual gestão tem como prioridade dar mais força ao esporte educacional.
"Nosso programa Segundo Tempo, dedicado ao esporte escolar, será em breve o que mais vai receber mais verba do ministério", afirmou.
O secretário informou também que a pasta está em negociação com algumas estatais para que, além do investimento em modalidades competitivas, também sejam contemplados programas educacionais e de inclusão social nas ações esportivas das empresas. (GR)

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL/FOLHA 22/06

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