segunda-feira, janeiro 31, 2005

NÁDIA REBOUÇAS

COMUNICAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO

Desde 1.992 comecei a perceber meu trabalho como uma grande oportunidade. Até aí, trabalhar com propaganda havia produzido inúmeros conflitos. Não entendia como eu, uma pessoa que havia trabalhado com educação, feito sociologia e que sonhava em mudar o mundo podia, de repente, estar metida no mundo empresarial, fazendo estratégias para vender mais cotonetes, modess ou produtos bancários. Mas era ali que eu estava aprendendo muito, como pude perceber anos depois.
Aprendi quais eram as ferramentas do marketing, fiquei fascinada com as técnicas de pesquisa e surpresa com os resultados das campanhas publicitárias. Mesmo com certo gosto amargo na boca ao fim dos trabalhos, o durante garantia um aprendizado: pouco a pouco eu entendia como funcionava o mundo. O lucro, o desejo pelo status, as crenças e estilos de vida que eram criados através de toda uma estrutura da propaganda comercial. Ajudava todos os meus amigos da área cultural a desvendar o desejo das empresas para auxiliar a vender essa ou aquela peça de teatro ou show, profissionalizava a busca de patrocínios de forma muito intuitiva. Aos poucos, fui me dando conta de que planejamento estratégico era o caminho organizado para ir buscar o que se quer. Se eu queria mudar comportamentos, percepções, talvez funcionasse eu usar as técnicas que vendiam sabonete.
Em 1.992, conheci as ONG’s no Aterro do Flamengo. Conheci suas causas e sonhos. Ficou claro qual seria meu trabalho dali para frente.

Ação da Cidadania
Em abril de 1.993, Betinho convocou um grupo de publicitários para conversar sobre a campanha que queria fazer e eu fiquei encarregada de fazer o planejamento estratégico. Os profissionais das agências de publicidade "ganharam a conta". Os veículos de comunicação foram convocados a participar. O produto era totalmente novo: solidariedade.
Era a primeira vez que a fome era discutida, pensada publicamente. A distribuição eram os comitês. A forma de participar? Totalmente livre. Qualquer um podia estabelecer seu comitê, escolher o tipo de ação que gostaria de desenvolver. A mídia dava o brief para os comitês.
Foram, na realidade, 3 anos de campanha, de movimento social intenso. Os spots na TV davam a devida importância à fome, mostravam ações realizadas por comitês para inspirar outros, convocavam os comitês a realizarem ações para ageração de renda. Aí eu fiquei totalmente surpresa: recolher comida era uma coisa fácil, mas gerar renda através de ações autônomas da população? Acreditamos que seria possível, e mais de 3.000 experiências foram filmadas pelo IBASE. Ações que iam de produção de marisco a sandálias tipo Havainas com a marca da Ação da Cidadania.
Betinho queria mais: Carta da Terra. Um dos textos mais bonitos sobre a terra em forma de cartão postal. Fizemos um comercial com Eva Wilma que nunca foi veiculado. Chegamos ao limite. Falar de reforma agrária em 1.995 ainda não podíamos. Betinho se enfraqueceu, e a doença que nele dormia tomou conta do palco. Sobrou tudo que vemos hoje no Brasil com o amadurecimento da cidadania: empresas na Responsabilidade Social, profissionais de comunicação mais atentos, ONG’s aprendendo a planejar e ganhar apoio popular, além dos programas de Governo, como o Fome Zero que infelizmente não entenderam que é com a população que se faz. Cidadania não é assunto de Governo. Com muita luta, as ONG’s descobrem a força da comunicação e perdem o preconceito.
A partir daí, minha vida profissional foi complicada. Mais ou menos como se tivesse descoberto um remédio que ninguém queria tomar. Não vi mortes, mas vi enfraquecimento, perda de tempo e muito dinheiro gasto irresponsavelmente com campanhas sociais que não foram capazes de gerar movimentos concretos de transformação social.
Não são realizadas pesquisas com vários perfis psicográficos, como normalmente nós publicitários fazemos para vender produtos e serviços. Não há profissionais especializados na atuação social. Gastamos milhões na véspera do Carnaval com campanhas contra a AIDS e o Turismo sexual, por exemplo. As ONG’s que estudam e trabalham com os temas não têm oportunidade de pensar, refletir, fazer um plano de comunicação. A TV é sempre a mídia prioritária, quando não a única. Não há um plano de mídia estratégico que possa realmente gerar movimento, mexer com o que pensamos, e que na prática vai determinar as nossas ações.
São problemas complexos, desafios imensos em cima dos quais não nos dedicamos durante todo o ano. Até o Carnaval chegar. Se fazemos tudo igual, por que esperar resultados diferentes? O problema do uso da camisinha no Brasil é um enorme desafio para quem conhece os motivos dos vários públicos-alvo para que ela esteja fora de cena na hora H. não é um spot de TV com música de Carnaval que vai amadurecer a nossa população. Precisamos de comunicação sim, mas não essa que está aí.

Ano 2005 – O marco de uma nova visão
A Rebouças & Associados montou uma oficina no Fórum Social Mundial porque pode neste ano perceber uma mudança profunda no uso da comunicação em duas oportunidades: Campanha contra o racismo e violência contra a mulher. Duas campanhas que foram planejadas, realizadas na rede de ONG’s que conhecem a fundo os problemas com um plano de comunicação por trás. Curiosamente, praticamente sem recursos, conquistando parceiros no mesmo modelo da Ação da Cidadania.
A Campanha do Diálogos contra o racismo nasceu do desejo de 40 ONG’s que se reuniam há alguns anos. A pesquisa, no caso, foi feita em vídeo (temos mais de 300 depoimentos filmados) a partir de uma pergunta: Onde você guarda o seu racismo? A hipótese é que conseguiríamos explicar por quê na pesquisa do Instituto Perseu Abramo 87% dos entrevistados dizem acreditar que no Brasil há racismo, enquanto somente 4% se admitem racistas. O racismo está escondido, é claro. Na realidade, não está só escondido, está guardado porque, de formas sutis, cuidamos de guardá-lo para poder usá-lo quando consideramos conveniente. Não guarde seu racismo, jogue fora. Não será fácil, mas plantou-se a primeira semente para que um guarda dentro do ônibus pense antes de pegar para revistar primeiro o jovem negro. Alguém poderá dizer: Ei, onde você guarda o seu racismo? Mas precisamos repetir isso, sustentar isso com outros argumentos. A frequencia é fundamental para construir marcas. E queremos construir uma nova marca para a nossa cultura. Alguém acredita que a Coca-Cola seria o que é se a sua comunicação não se repetisse?
Nós só começamos. Mas começamos com gente que entende, com a participação em rede, com multiplicação pelos agentes de transformação, com um site que registra todo dia manifestações, opiniões. Essa é a comunicação para construir um novo mundo. A campanha da Violência contra a mulher, coordenada pelo Instituto Patrícia Galvão, seguiu o mesmo caminho novo: discussão com as ONG’s, parceria. Foco: vamos falar com os homens. Esse é o público-alvo. Uma pesquisa qualitativa ajudou a criação a ajustar a linguagem, os gestos. A Agência popular trabalhou com o desejo de acertar. Resultado: comerciais inesquecíveis que remontam aos ícones diários de uma família e que leva, pela primeira vez, os homens a um movimento de reflexão e amorosamente. Não tenho dúvida de que foi dado um salto quântico na forma de tratarmos os problemas de gênero no Brasil, mas temos que repetir, repetir, sutentar.

O Problema
Não há recursos para se pensar e planejar comunicação social no brasil. Há verbas do Governo e um modelo de trabalho que não atende tecnicamente a necessidade de se obter resultados eficientes.
O Governo precisa refletir e mudar radicalmente suas opções de comunicação social. Existem cases que demonstram novas maneiras de se trabalhar. Camisinha não é sabonete. Os problemas sociais precisam de especialistas, pessoas que conversam com sa comunidades, pesquisas de conteúdo, conhecimento histórico. Os sabonetes também exigem conhecimento de mercado, pesquisas, análises de segmentação, mas, neste caso, existe uma empresa que mede seu lucro. Quem mede o lucro social das campanhas? Temos muito que aprender para dar tecnicidade aos trabalhos de comunicação social.

Fonte: Rebouças & Associados por e-mail

Nenhum comentário: