quarta-feira, setembro 08, 2004

CONSCIENTIZAÇÃO

OS TEXTOS QUE LI HOJE, CONFIRMAM A PREOCUPAÇÃO DE VÁRIAS PESSOAS COM AS MESMAS DISTORÇÕES SOCIAIS QUE VENHO APONTANDO AQUI.


Por Manoel Francisco Brito
Jornalista, foi editor-executivo do Jornal do Brasil e da revista Veja e diretor-geral do site NO.
Fonte - AOL

ANESTESIA SOCIAL
O massacre de crianças e adolescentes numa escola pública da cidade de Beslan, na província da Ossétia do Norte, Rússia, chocou, como era de se esperar, o mundo inteiro. O Brasil não escapou do sentimento de repulsa, compaixão e medo que as mortes em conseqüência do tiroteio entre terroristas e as forças de segurança russa provocaram. As manchetes dos jornais de sábado no país, dando amplo destaque ao assunto, usaram freqüentemente a palavra barbárie para descrever o que havia acontecido. É difícil imaginar que pudesse haver uma reação diferente. O episódio na Rússia é um dos piores pesadelos que afligem a nós, os adultos.
Toda vez que um jovem morre por causas violentas, significa que não resguardamos sua inocência, que fomos incapazes de cumprir uma das funções mais básicas da nossa humanidade: proteger e transformar em adultos crianças e adolescentes. No caso de nós, brasileiros, seria bom se aproveitássemos a reação de horror e pavor que estamos tendo sobre a carnificina na Ossétia do Norte para dedicar um pouco mais de atenção a resolver um grave problema que paira sobre a população jovem do país. Se não fizermos nada, corremos o risco de ver nossa súbita, mas justíssima manifestação de solidariedade a dor dos russos transformada em hipocrisia.
Somos capazes de reagir como seres humanos a algo que aconteceu a milhares de quilômetros de nossa fronteira com a indignação e emoção adequadas, mas tudo indica que continuaremos insensíveis ao massacre cotidiano a que nossa juventude é submetida por aqui. Segundo o 4º Mapa da Violência no país divulgado em julho sob o patrocínio da Unesco, entre 1992 e 2002, a morte de jovens pelo mesmo instrumento que ceifou a vida de crianças e adolescentes na Rússia na última sexta-feira, armas de fogo, cresceu 88%. Vale fazer uma conta para se ter a dimensão da nossa carnificina.
Se bem que ainda seja cedo para se saber de modo definitivo quantas pessoas morreram na escola russa, no domingo a imprensa internacional afirmava que tinham morrido por lá 156 crianças e adolescentes. Só em 2002, pelos números do Mapa da Violência da Unesco, matou-se no Brasil um número de jovens 115 vezes maior. É bem verdade que nossa estatística não engloba crianças, mas apenas adolescentes e adultos entre 15 e 24 anos de idade.
Mas isso não deveria servir como consolo coletivo. O crescimento geométrico em uma década, cerca de 88%, da taxa de homicídios cujas vítimas foram jovens significa que em boa medida não estamos conseguindo salvar milhares de crianças brasileiras de entrarem numa adolescência de alto risco, onde são grandes as suas chances de morrerem pela força das armas. Mais grave ainda é perceber que o Brasil não produziu nenhuma política efetiva para tentar reverter este quadro.
Talvez essa espécie de anestesia coletiva que parece confortar a sociedade brasileira em relação ao problema seja fruto do fato que nossos jovens por aqui morrem devagar, um punhado deles a cada dia, ao contrário das crianças e adolescentes na escola russa, mortos de uma só vez. Essa diluição da nossa tragédia, entretanto, não a torna menos terrível. Mas faz com que ela seja, aparentemente, bem mais tolerável.
O país, fora alguns abnegados, raramente discute o tema. Como o assunto não parece incomodar a sociedade, é natural que os políticos naveguem ao largo dela. Lula, por exemplo, até que fala muito nos jovens e nas crianças. Já propôs inclusive várias iniciativas em favor deles – como o programa do Primeiro Emprego. Tudo patacoada. Emprego quem precisa é todo mundo que está em idade de trabalhar – principalmente os chefes de família. Jovem precisa é estar na escola.
A pandemia de violência que mata os jovens no Brasil e submete crianças em regiões da periferia urbana à convivência diária com o terror tem nome e endereço: falta de educação. O principal grupo de risco é formado por meninos que acabam, ao longo de sua juventude, fora das escolas. O problema é mais do que conhecido. Mas não há mobilização para resolvê-lo. Prefere-se, por exemplo, despender energia tentando resolver uma duvidosa auto-estima dos brasileiros, que seria a causa de todos os nossos males. Agora que a campanha publicitária para dizer que o Brasil é legal está no ar, pode-se imaginar que nossos jovens mortos devem estar rolando de orgulho no túmulo.



Por Nádia Rebouças - Diretora geral da Rebouças&Associados
Fonte - Meio&Mensagem

TEMOS UMA VISÃO PARA O FUTURO?
Será que a comunicação é tão pouco importante que cismamos em não ver os valores que estamos reproduzindo sistematicamente por meio da comunicação criada pelas notícias dos jornais, novelas e programas de TV em gerall?
As empresas e qualquer tipo de organização sabem hoje a importância de desenvolver planos estratégicos e reúnem seus líderes, estabelecendo com cuidado sua missão, visão de futuro e valores. Depois, objetivos e metas. Alinha-se a comunicação para a gestão, buscando conquistar a organização como se fosse uma orquestra em busca de uma sinfonia harmônica, tão eficiente que nos mínimos acordes se perceba a construção do futuro. Olho nossos fatos e as notícias no jornal e vejo a manutenção de velhas formas de enxergar a realidade. Repetem-se formas de dar a notícia que acentuam preconceitos. Vejamos as manchetes: "Um menor foi morto em Copacabana", "Mendigos mortos a paulada em São Paulo". A chamada das manchetes já desqualifica qualquer sentimento. Não foram pessoas massacradas nas ruas da maior cidade da América Latina. Não foram personagens das nossas cidades, muitos conhecidos das nossas esquinas e com os quais esbarramos no dia-a-dia. Não foi uma criança de sete anos que perdeu a vida: foi um menor. Nossa mente registra as notícias na borda da consciência, pois elas já vêm frias, tiradas da beirada do prato de mingau de absurdos que deveriam nos colocar todos em reunião, discutindo nossa missão como seres das cidades e nossa visão de futuro.
Vamos para as novelas: lá, todos os dias milhares de jovens recebem um treinamento de como ser jovem na atualidade. "Chaolim" é um Deus todo-poderoso que ensina palavras e gestos que podem ser repetidos facilmente por esses nossos adolescentes completamente perdidos num mundo sem missão, visão de futuro e valores. A mãe do "Chaolim" parece uma tola e não tem nada a ver com a realidade das mães que tenho conhecido nas classes superiores, que sofrem e se desesperam com seus filhos e seus desvios comportamentais. A "Lady Diane" engravida na adolescência fascinada com o menino mau. A mãe apanha do marido bandido e encanta-se com um português. São dados da realidade? Sem dúvida. No final, as "Lauras" sempre morrem. Numa cena rápida. Mas são seis ou oito meses de treinamento intensivo de maldades. São gestos e imagens repetidas, e que dão certo até o final da novela.
Alguém já pesquisou a mente para descobrir o que sobra dessa plantação?
Os comerciais de propaganda no meio dessas novas estratégias de comunicação para construir o País até que se saem melhor. O Conar viabiliza que a população se manifeste e que comerciais como o que o prisioneiro recém-libertado rouba um carro saia do ar imediatamente. Na propaganda o que salta aos olhos é a impossibilidade de sermos gordos, feios, velhos, especiais, diferentes. O mundo nos é vendido como um bolo só. Tudo é alegria e mulher bonita. Mas já podemos perceber empresas comunicando-se com responsabilidade social. Responsabilidade Social não é uma coisa para fazermos num determinado lugar, num departamento ou num momento de nosso tempo de vida ou da organização. Responsabilidade Social é um valor e, portanto, temos ou não temos. Definitivamente na nossa comunicação somos profundamente irresponsáveis, talvez porque não damos conta da importância da comunicação para a construção do futuro do País. Brincamos. Todos que estão tentando aprender para construir novos tempos sabem que quando transformamos uma criança em um "menor" estamos dando uma vacina para proteger a sensibilidade social. Criamos muitos "menores" e poucas crianças nas periferias de nossas cidades. Não nos damos conta de que o trabalho infantil escravo se multiplica nas nossas esquinas. Matamos nossos adolescentes nas periferias e multiplicam-se "Chaolins" e "pitbulls" nas academias e boates dos bairros de elite.
Qual é mesmo nossa visão de futuro? Todos nós, profissionais que trabalhamos para grandes organizações, podemos perceber o absurdo da orquestra que preparamos todos os dias para tocar a música do nosso País.
Mas a boa notícia é que isso não é tudo. Existem músicos alternativos que estão tocando em todos os cantos. São novas notícias que nem sempre viram notícias nos jornais. São enredos novos para futuras novelas, onde a história será contar como um adolescente percebe a bobagem de sua vida e a cada dia constrói seu novo ser como no projeto "Gente é pra brilhar", patrocinado pelo Instituto Telemar e realizado pelo CIMA - Centro de Imagem e Meio Ambiente - e que será distribuído em todas as escolas do Rio de Janeiro. Os jovens da periferia do Rio aprenderam a fazer cinema e documentaram a vida de seis outros jovens, que por meio da música, do esporte e de projetos socias e ambientais construíram uma nova vida. São pequenas novelas, de um novo tempo. O lançamento de filmes, CDs e DVDs com dicas educativas, crônicas de Maria Lucia Dahl e Leonardo Boff e caricaturas do Ique vão transformar-se num material original para o trabalho educativo com jovens de todo o Estado.
Também há duas semanas a Mídiativa - Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes -, criada em 2002 por profissionais de comunicação e educação com a missão de promover o pensamento crítico sobre a mídia, escolheu os diretores de marketing e mídia e os realizadores de programas considerados de qualidade pelos pais de crianças e adolescentes. A Pesquisa MídiaQ, realizada pela Multifocus Pesquisa de Mercado, avaliou programas da TV aberta. A conclusão é que existem programas bem avaliados pelos pais, mas eles consideram que a programação atual em linhas gerais não cumpre o papel esperado quando se trata da transmissão de valores. O critério dos pais entrevistados para a escolha dos programas foi influenciado mais pela capacidade de atração do que por considerarem que contribuem efetivamente para construir valores e preparar a nova geração para a vida. A pesquisa nos alerta que já há uma expectativa de que a TV extrapole a mera função de entretenimento. A premiação inédita da Mídia Ativa, com o apoio do Meio&Mensagem e da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), inaugura um novo tempo onde programar uma veiculação estimulando um programa de televisão também pode ser um ato de responsabilidade social. Além disso, a pesquisa chama a atenção para o amadurecimento de nossa audiência e para a enorme preocupação com a educação das novas gerações, além de refletir sobre como a comunicação tem papel estratégico nesse processo.
São novos ventos que ainda não têm força para vencer o furacão, mas a melhor notícia é que a cada dia mais brasileiros se dão conta da necessidade de esclarecermos: afinal, qual é nossa visão de futuro? Como ter foco e trabalhar para conquistá-la? Não desprestigiem a força da comunicação. Ela é que multiplica. É necessário apenas escolhermos o que queremos multiplicar.



Por - FERNANDO BONASSI
Fonte - Jornal Folha de São Paulo

SOLUÇÃO FINAL PARA A QUESTÃO DA MISÉRIA NACIONAL
Está provado: os miseráveis são os maiores responsáveis por nossos menores índices de desenvolvimento humano. Também, pudera: vivem como animais nesses conjuntos habitacionais, entregando-se à promiscuidade dos conjugados invadidos, barracos espremidos ou favelas suicidas -que nada desses incômodos têm mesmo diferença para nossa indiferença.
Nossos miseráveis são memoráveis por esquecerem essas datas comemoradas em seu nome. São refratários ao estudo e não se interessam por sua ignorância hereditária; não lêem legendas, não entendem a piada desgraçada de sua existência e têm dificuldade de acompanhar uma boa faculdade apenas porque é cara! Quem vai pagar por isso? Os mais nobres dentre os pobres de nós é que não. Não somos muito chegados a esse tal de bem comum, quando nos morde o bolso blindado sob a forma de imposto desviado, ainda que ele nos volte transviado pelas quebradas, tabelas e "guard-rails" das pontes, túneis e viadutos que obramos e inauguramos entre uma administração e outra.
O que queremos dizer é simples: se os nossos miseráveis não podem se lançar nessa aventura do conhecimento, que pelo menos não permaneçam ao relento diante das unidades educacionais, apresentando-se analfabetos como flanelinhas ou assaltantes ocasionais, transtornando ou escorchando nossos filhos mais queridos, os filhos dos que se consideram normais. São os nossos miseráveis, por exemplo, esses índios outrora queimados por epidemias venéreas, enchendo agora as vias aéreas com as "podrezas" que atingem até as drogas dessa cidade de pobrezas, cujo crack vertiginoso, batizado pela esperteza dos senhores desses engenhos e malandragens, já se ouve à longa distância e há muito tempo.
Não podemos permitir que o teto caia no meio das festas desautorizadas por essas elites, mas o melhor negócio é mesmo lidar com gente de bens, os donos desse circo mínimo, palhaços sem graça que se divertem tendo de tudo enquanto o resto só um resto tem.
Se abrirmos nossa mão, será para pancada; um tapa, uma necessidade; no máximo, uma caridade. Podemos também erguê-la, legando à civilização brasileira mais um desses gestos inesquecíveis dentre todos os massacres perpetrados para facilitar a vida dos folgados, que vivem de renda com as prendas dos escravos alugados. Os nossos miseráveis não se envolvem, não evoluem, não resolvem! Eles não conhecem os procedimentos de emergência de uma aeronave, vendem mercadorias piratas e comem comida barata (por exemplo: batata, aos quilos!), são desnutridos, têm mau hálito e não freqüentam o dentista regularmente pois, covardes, preferem a extração do dente à conservação dessa dor insuportável de cabeça.
São os nossos miseráveis que estão sempre nos colocando nessas listas imperialistas, por debaixo das piores estatísticas, ridicularizados, humilhados e vencidos por argelinos furiosos, irlandeses alucinados e argentinos deprimidos.
Até quando isso será permitido!
Se nem os nossos miseráveis atletas sensacionais nos trazem as medalhas quando lhes jogamos as migalhas das viagens internacionais subsidiadas! O que é que eles querem mais, além de quatro semanas de fama?! Tem gente que se mata numa cama ou num cargo, se despe de roupas e convicções por muito menos! Nós temos a certeza serena de quem conhece a dureza dos vermes da terra que haverão de nos comer as partes moles em primeiro lugar.
O fato é que os miseráveis não se vestem bem num dos países mais elegantes por natureza, criando problemas para os agentes e pacientes do nosso turismo doente.
Os nossos miseráveis transmitem uma enorme quantidade de infecções, sendo a pior delas, o olhar de quem começa a se encher o saco de esperar mais uma geração. Devemos estar atentos aos movimentos suspeitos dos mendigos e de seus amigos do peito, esses anarquistas que teimam em fazer valer a vida, quando nossos homens de preto advogam o contrário nos tribunais da injustiça.
Os miseráveis se comportam mal em público... e na privada. Por isso não cheiram bem. Vão do mal ao pior, em desordem crescente e teimam em não progredir, lançando-se às ruas da amargura como quem pensa que é dono deste mundo!
Não são.
São menos do que nada.
Não valem uma bala, uma facada, uma fala!
Os desempregados desenganados de sapatos furados poderão ser considerados miseráveis a qualquer momento, num instante agonizante como esse, numa tacada. São Paulo apresenta suas armas contra a miséria: a marretada! O setor funerário crescerá a olhos vistos e ouvidos surdos, tornando o país a sétima economia mentirosa na hipocrisia do mundo globalizado, criando a miragem de milhões de novos postos de trabalho com salários achatados para os burros de carga encarregados de carregarem os cadáveres dos asnos abatidos e embalados para exportação.
PS: Os traficantes de órgãos manifestaram preocupação quanto ao assunto e mandaram avisar que estão, sim, interessados numa dessas "parcerias" em que o Estado entra com a solução.
PS2: Pode ser que a investigação e o processo sejam enterrados como indigentes, ou indecentes.



Nenhum comentário: