sexta-feira, outubro 29, 2004
O NATAL CADA VEZ MAIS CEDO... A cada ano, o comércio vem antecipando o clima de Natal. Quando finalmente chega 25 de dezembro já desgastamos até o espírito natalino. Não tem mais tanta graça, ou será que é porque estamos ficando mais velhos? A verdade é que o Natal se tornou uma data mais festiva e comercial do que propriamente de comunhão entre as pessoas e as famílias. Esta idealização de um Natal cheio de luzes, presentes e uma ceia farta, deixa muitas pessoas frustadas, especialmente as crianças. Ainda que seja só uma data, e que no dia seguinte a gente sabe que todos voltam a mesma rotina, é difícil não querer participar. Por isto, acredito nestas ações que perduram por todos os dias do ano e que ainda fazem um esforço especial no Natal, presenteando as crianças e dando-lhes a oportunidade de também se sentirem parte desta sociedade que nós mesmos construímos.
quarta-feira, outubro 27, 2004
ASSÉDIO SEXUAL NAS EMPRESAS
Quando a vítima é você.
Se você é uma mulher que mantém sempre uma postura profissional com seus chefes, veste-se adequadamente ao ambiente que trabalha, trata todos cordialmente e não acha graça quando seu chefe faz aquelas piadinhas mais ousadas fingindo que não entende, ainda assim você pode ser vítima deste tipo de abuso.
Vejam este exemplo. Depois de quatro longos anos, empenhada em realizar um ótimo trabalho, sempre buscando benefícios para a Empresa e ignorando a turma de acomodados, a funcionária descobre que as segundas intenções de seu chefe podem colocar tudo a perder.
Sempre recebeu elogios pelas iniciativas e novas idéias. De vez em quando os elogios eram também para as roupas que estava vestindo, a maquiagem que estava usando, o cabelo... E aí vieram os almoços de negócios, no início com mais pessoas, depois só para o chefe não almoçar sozinho, mas ela sempre se manteve a distância. Durante a rotina do dia-a-dia algumas manifestações de ciúmes começaram a surgir, e ele começava a implicar com o serviço dela. Ao longo dos anos, estas discussões começaram a interferir no andamento do trabalho, eram imposições absurdas. Uma recusa no convite para almoçar, era motivo de mau humor e chantagens. Ela já não tinha mais liberdade nem de pagar as contas neste horário, fazer compras ou almoçar com outros funcionários. Ele foi perdendo o controle, mais ainda assim ela não dava liberdade para ele declarar suas verdadeiras intenções. Foi então que ela resolveu reagir a esta perseguição implacável, e levou o assunto aos diretores. Só que, por ter muita consideração pela empresa, não falou em tom de ameaças e simplesmente mencionou que não entendia o que estava acontecendo, já que seu trabalho era sempre elogiado. Alegou que só chegou a esta atitude extrema, pois não via mais condições de desenvolver suas atividades naquele departamento, devido às atitudes de seu superior.
Fez questão de relembrar seu empenho e o bom relacionamento que sempre manteve com todos.
Enfim a história terminou com uma chamada no chefe e para ela, uma promoção mais do merecida.
Moral da história, às vezes dá para transformar problemas em oportunidades, como prega o marketing.
Basta ter muita paciência e um pouco de inteligência.
sexta-feira, outubro 15, 2004
Foto Sebastião Salgado
Violência silenciosa
FREI BETTO
Eric Weil observa com muita propriedade, em sua "Filosofia Política", que a principal característica do Estado moderno é o monopólio da violência. Outrora, senhores feudais maltratavam seus servos, assim como chefes militares condenavam subalternos à pena capital. Agora, só o Estado detém esse direito. Só ele pode legalmente suprimir a liberdade de um cidadão, cassar-lhe os direitos, vasculhar as suas contas, grampear o seu telefone, bani-lo e, em muitas nações, decretar a sua morte. Há países em que nem mesmo os pais têm o direito de castigar fisicamente os filhos, sob pena de estes buscarem proteção da lei e se afastarem do convívio familiar.
O que os filósofos políticos não abordam é essa violência silenciosa, porém não menos cruel, da progressiva condenação de uma pessoa à exclusão social. Essa é uma característica intrínseca ao sistema capitalista, que enriquece uns poucos à custa da pobreza de muitos, sobretudo nessa etapa neoliberal, em que a especulação financeira predomina sobre o investimento produtivo.
Basta examinar a questão fundiária no Brasil, onde há muita terra para poucos e pouca terra para muitos, provocando essa pressão demográfica sobre os centros urbanos, acelerada pelos fluxos migratórios em que a fuga da carência significa o encontro da miséria
O que os filósofos políticos não abordam é a violência silenciosa da progressiva condenação de uma pessoa à exclusão social
A violência silenciosa do Estado não é amparada nem condenada pela lei, pois se legitima pela "fatalidade" das atuais estruturas sociais e dos paradigmas da economia de mercado. Assim, avalia-se o crescimento de uma nação pelo aumento do PIB -mero exercício de econometria-, e não pela qualidade de vida da população ou pelo aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores.
Por força de medidas macroestruturais, como ajustes fiscais, superávit primário e balanço de pagamentos, milhões de seres humanos são progressivamente privados de acesso à renda, ao trabalho, à terra, aos bens essenciais, à sobrevivência. Empobrecidos, vêem-se obrigados a morar em acampamentos rurais ou favelas urbanas, sem direito à saúde, à educação e à informação. E uma parcela desses excluídos, afetada por distúrbios mentais, pela depressão decorrente do desemprego ou pelo absenteísmo, vitimada pelo alcoolismo ou pelas drogas, acaba na rua, sobrevivendo da mendicância.
Essa violência que, no mês passado, emergiu com uma brutalidade que nos escandalizou e desafiou -a dos massacres de moradores de rua por quem faz do preconceito uma arma letal- é precedida e favorecida pela violência silenciosa do poder público, que não se empenha o suficiente para promover políticas emergenciais que ponham fim à população de rua nem implementa políticas estruturantes que erradiquem a miséria.
Aqui não se trata de discutir qual governo, de que época ou partido, fez ou deixou de fazer. A questão é mais profunda: o Estado brasileiro, desde o período colonial, permanece engessado pelos interesses dessa parcela dos 10% da população que detêm cerca de 45% da riqueza nacional. E, hoje, o ajuste fiscal não se coaduna com a responsabilidade social. Se ficar, o bicho come; se correr, o bicho pega. Sobretudo quando não se tem, para o Brasil em que vivemos, um projeto e uma estratégia de desenvolvimento sustentável para o Brasil que nós queremos. A política amesquinha-se quando perde o horizonte utópico. E as nossas vidas também.
Como me disse o jornalista Chico Pinheiro, "o sangue do Cordeiro foi derramado nas ruas de São Paulo". E também de outros Estados. Mas ele não lava os nossos pecados; ao contrário, denuncia-os. Pois como explicar essa nossa capacidade de conviver tão insensivelmente com pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus e, no entanto, excluídas, não apenas da vida social, mas também de um teto ou de uma terra onde possam se abrigar?
Condenados às ruas, esses seres humanos se misturam com sucatas, insetos e lixo, degradados em sua dignidade. Muitos, como algumas das vítimas de São Paulo, não são apenas sem-teto. Chegam ao extremo de ser sem-nome. Porque não mereceram a sorte da loteria biológica: nenhum de nós escolheu a família e a classe social em que nasceu. Se não estávamos no lugar daquelas vítimas, foi por mero acaso.
O justo seria todos nascerem com direito à plena cidadania, sem o risco de terem as suas vidas abreviadas pela miséria e pela violência. Mas, para isso, é preciso um Estado que renuncie à violência silenciosa e faça do combate à desigualdade social uma prioridade, ainda que desagrade aos donos do dinheiro e do poder.
Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 60, frade dominicano, escritor, é assessor especial da Presidência da República e autor de, entre outras obras, "Típicos Tipos - Perfis Literários" (A Girafa).
Fonte - Folha
quarta-feira, outubro 13, 2004
Comunicação responsável - uma tarefa de todos nós!
Por Cristiane Ostermann
A dor da gente já sai no jornal. Uma das grandes notícias dos últimos anos é o fato de a mídia estar divulgando cada vez mais as ações sociais desenvolvidas ou apoiadas por empresas e por organizações do terceiro setor. Isso é recente e deve ser saudado. Na pauta da maioria dos veículos de comunicação brasileiros já está inserida a questão social - não mais apenas a denúncia, mas também as soluções encontradas para a resolução dos problemas. A cada dia são mais linhas e mais minutos dedicados à cobertura das iniciativas de empresas e de organizações sociais envolvidas na diminuição do sofrimento de boa parte da população brasileira.
Essa novidade é resultado do amadurecimento das empresas, que perceberam o poder do exemplo e o círculo virtuoso que essa divulgação pode criar; das organizações sociais, que se instrumentalizaram para oferecer dados organizados e elementos para uma boa reportagem; e da mídia, de um modo geral, que percebeu esse novo cenário e a relevância do trabalho desenvolvido para reduzir os vergonhosos índices de pobreza do País.
Há, sem dúvida, muito ainda a ser feito. Na esteira dessa boa notícia, fruto da novidade dessa temática, conceitos são confundidos e esclarecimentos (para todas as partes envolvidas - mídia, empresas e terceiro setor) ainda precisam ser feitos. É muito comum lermos ou ouvirmos responsabilidade social como sinônimo de ação social ou marketing social (esse talvez o mais injustiçado dos termos) como sinônimo de divulgação ou de estratégia para ganhar visibilidade. Mas acho que conseguiremos vencer esse desafio.
Entretanto, não se percebe na mídia um aprofundamento, ou melhor, uma ligação da ação social da empresa com a agenda da responsabilidade social. E o pior: há uma certa banalização da pauta social. Parágrafo e explico.
Na medida em que a ação social da empresa ganha visibilidade e isso dá retornos interessantes para a imagem institucional, as empresas - e a mídia - estão priorizando essa abordagem em detrimento da discussão da amplitude da responsabilidade social. Será que não chegou a hora de trabalharmos com os formadores de opinião, jornalistas, comunicadores, publicitários, radialistas, assessores de imprensa, enfim, a relevância e o poder transformador da responsabilidade social? Dar visibilidade ao que uma empresa faz na área social incentiva a que outras corporações adotem a mesma estratégia, mas corre-se o risco de não analisar a relação da empresa com os seus outros públicos relacionados, além da comunidade do entorno. É razoável que uma mesma empresa divulgue, em uma circunstância, o número de moradores da comunidade aos quais ajudou a alfabetizar ou a quantidade de computadores que doou à associação comunitária, e, em outra, explore, por exemplo, a imagem da mulher na sua comunicação comercial, do seu produto? É saudável que uma empresa divulgue - e isso tenha destaque na mídia - as diversas iniciativas desenvolvidas para combater a fome ou na geração de emprego e renda, mas furte seus consumidores de informações claras sobre os possíveis malefícios de seus produtos?
Assim como a política de comunicação das empresas deve estar alinhada com seus valores e princípios e deve visar à criação de uma cultura de responsabilidade social com todos os seus públicos - fornecedores, clientes, comunidade, distribuidores etc -, os formadores de opinião, os jornalistas, os publicitários têm de começar a perceber a relevância e o poder transformador do movimento de responsabilidade social empresarial.
Têm de colocar a sua caneta, o seu microfone, a sua criatividade a serviço da transformação da realidade social. E isso significa reinventar uma atitude ética, exercitada no dia-a-dia em todas as nossas relações. Significa reinventar a pauta, tirar o foco do apelo emocional utilizado na abordagem das questões sociais e aprofundar a discussão.
Será que se cada um de nós procurar incorporar a responsabilidade social como uma atitude ética, consciente e responsável em todas as esferas com as quais nos relacionamos não estaremos contribuindo mais e melhor para a mudança social? Afinal, responsabilidade social não é só para as empresas, é também para cada um de nós.
Artigo escrito com exclusividade para o Notícias da Semana, boletim informativo do Instituto Ethos;
segunda-feira, outubro 11, 2004
Wangari Maathai
AMBIENTALISTA QUENIANA GANHA PRÊMIO NOBEL DA PAZ
A ambientalista queniana Wangari Maathai, 64, ganhou o Prêmio Nobel da Paz. O anúncio foi feito nesta sexta-feira pelo Instituto Nobel da Paz em Estocolmo, na Suécia.
Maathai é a primeira mulher africana a ganhar o Nobel da Paz, prêmio que começou a ser entregue em 1901.
A africana é vice-ministra do Meio Ambiente do Quênia e responsável por projetos de reflorestamento no país. Ela é a 12º mulher a conquistar o prêmio e a primeira a ganhar na África. Maathai lidera o Movimento Cinturão Verde, no Quênia, que plantou mais de 30 milhões de árvores na África.
Ela foi premiada por seu trabalho a favor de um desenvolvimento sustentável, da paz e da defesa do ambiente.
"Estou muito emocionada. Não sei o que dizer", disse Maathai, que acabava de receber a notícia por intermédio de um membro da academia norueguesa.
Maathai receberá um prêmio de US$ 1,3 milhão.
O prêmio foi criado pela Fundação Nobel --que surgiu a partir do testamento do sueco Alfred Nobel (1833-1896). O prêmio é escolhido pelo Comitê do Nobel. Fonte: Folha Online
sexta-feira, outubro 08, 2004
As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabe sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque te amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
quarta-feira, outubro 06, 2004
A REINVENÇÃO DA EMPRESA NO SÉCULO XXI
Em busca do sentido perdido
Paulo Monteiro de Carvalho
"Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!", e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem, é um cogumelo."
Esse não é simplesmente um parágrafo de uma das obras literárias mais importantes da historia - O Pequeno Príncipe - mas uma profecia que se confirma e se materializa cada vez mais na atualidade. Esse planeta poderia muito bem chamar-se Terra, e esse sujeito quase roxo, José, João, Márcia, Roberta, cada um dos milhões de seres que dedicamos tanto tempo a somar, a inchar-nos de orgulho fazendo "coisas sérias", esquecendo de olhar uma estrela, de amar alguém...
Nos dias atuais enfrentamos uma trágica realidade: a falta de sentido nas coisas que fazemos, a prisão de ter que repetir ações mecânicas, sem usufruir o prazer de transcender em cada uma delas. Essa falta de sentido é também herança de uma mentalidade positivista, que baniu da existência humana qualquer sentido metafísico, espiritual, universal, para concentrar-se somente nos números, no empírico, na experiência "científica", numa aventura que levaria o homem a "conquistar" seu universo.
Com o inicio da revolução industrial e a concentração na produção, a lógica predominante passa a ser a visão racional-econômica, que concebia a organização como um mero ente produtivo cuja missão essencial era obter os melhores resultados com os menores custos. Tal enfoque faz tudo girar em torno dos resultados, e o ser humano passa a ser visto como parte de uma engrenagem que deve gerar sempre a melhor produção possível; ele existe e tem sentido somente na medida em que é um instrumento para melhorar o rendimento da empresa.
Em pleno século XXI esse cenário ainda resiste a desaparecer de nossa história. Muitas empresas insistem em centralizar-se nos resultados, submetendo as pessoas a essa obsessão que termina por transformar-se em um fim absoluto. Mas o paradoxal dessa mentalidade é que o campo "sagrado" dos resultados - objetivo de toda empresa - termina sendo prejudicado precisamente por essa atitude que submete as pessoas às metas de produção e de lucro.
Isso ocorre porque a mentalidade economicista na empresa aliena o homem, fazendo-o escravo de uma produção que não possui; os "sagrados" resultados pertencem aos "donos", aos "proprietários" da organização. Assim, o ser humano - que é por natureza um ser transcendental - perde toda e qualquer motivação ao não encontrar sentido no que faz, e seu agir profissional passa a ser necessidade de sobrevivência, conduta que termina por limitar os resultados de seu desempenho a níveis mínimos.
O renascer do humanismo nas empresas
Felizmente, em meio a essa visão pragmática e utilitarista que ainda prevalece, do que deve ser a empresa, observamos um fenômeno de humanização cada vez maior no âmbito corporativo. São cada vez mais os autores que se dedicam ao tema da pessoa como fator central e vital para o desenvolvimento da empresa.
Vemos também o surgimento da Responsabilidade Social Empresarial como uma forma global de conceber e gerir a organização. A empresa, nesse contexto, passa a ser muito mais que um mero ente produtor, convertendo-se em entidade co-responsável pela construção de uma sociedade melhor, missão que abrange clientes, meio ambiente, colaboradores e funcionários, acionistas, enfim, todas as realidades e ambientes que interagem com a organização.
Nessa visão, o âmbito dos resultados deixa de ser um fim em si mesmo, para tornar-se fruto de uma motivação que se materializa no trabalho. É precisamente este sentido recuperado no ambiente profissional que, levando ao compromisso e à atitude, tem como conseqüência natural a conquista dos melhores resultados.
A empresa como um totus significativo
A organização que se atreve a ser autenticamente humana funciona, em palavras de Peter Senge, como uma comunidade consciente, um organismo vivo onde tudo comunica, tudo é parte de um projeto comum e de uma missão global. Se a mentalidade cartesiana e racionalista vê a comunicação empresarial como produção de uma coleção de mídias, a concepção humanista define a organização como uma entidade viva e dinâmica que se comunica constantemente, em cada uma de suas ações e realidades, desde a arquitetura dos edifícios e salas até as ações e conversas dos funcionários.
Esse universo comunicacional forma o que alguns autores chamam de ecossistema comunicativo, um cosmos organizacional, no qual as diversas partes interagem num processo sinérgico e construtivo que tem uma orientação comum e se desenvolve como um sistema de relações ricas e significativas.
O universo desse totus significativo dá lugar a uma comunicação que é muito mais que a mera transmissão unilateral ou vertical de dados e informações. A palavra "comunicar" vem do latim "communicare" que tem um sentido de "movimentar juntos" e tem a mesma raiz da palavra latina "communio", que significa comunhão. A autêntica comunicação deve estar, portanto, necessariamente comprometida com o ser humano e com seu enriquecimento, promovendo um âmbito comunitário significativo.
segunda-feira, outubro 04, 2004
A cada dia torna-se mais difícil viver com espontaneidade. Sorrir quando se tem vontade, chorar quando se quer chorar...
As normas e etiquetas sociais nos transformam em bonecos previsíveis, tolhem nossas emoções e coíbem nossas reações sinceras e verdadeiramente humanas. Reações que manifestávamos livremente na infância e que não são permitidas no mundo adulto. Por isto fica tão difícil conhecermos as pessoas, sabermos se estão sendo verdadeiras. Muitas vezes não são sinceras nem com elas mesmas, confusas com os próprios valores, não conseguem discernir no que realmente vale a pena acreditar desta sociedade volúvel que super valoriza o capital e a estética.
A ilusão que alimentamos em busca da tal FELICIDADE, nos faz infelizes por toda a vida.
O que realmente nos faz feliz? Esta é uma pergunta que temos que fazer todos os dias, pois cabe a cada um de nós uma resposta.
Hoje para mim, uma das respostas é VIVER CERCADA DE AMIGOS VERDADEIROS, E CONTINUAR EM BUSCA DE OUTROS.
domingo, outubro 03, 2004
Por Vladimir Safatle
Na sociedade da insatisfação administrada, a auto-ironia e o cinismo regem os modos de vida
Uma discussão atual sobre um conceito tão nebuloso como pode ser o pós-modernismo deve partir da constatação de que, embora tenha sido posta como era do fim das utopias, a pós-modernidade, em seu núcleo duro, impôs-se como um projeto utópico. Tratava-se de pensar e de fazer agir singularidades puras, multiplicidades não-estruturadas que não se submeteriam mais a modelos estruturais de organização de identidades.
A dissolução do eu como unidade sintética e como locus da auto-identidade estável, o fim dos discursos sociopolíticos com aspirações universais (e, com isto, o fim das metanarrativas e dos horizontes estáveis de socialização), a falência de processos de crítica vinculados à operacionalizaçào de distinções ontológicas entre essência/aparência : todos estes motivos eram conjugados através da promessa do advento de um tempo capaz de afirmar e produzir singularidades puras, fazendo assim um retorno ao que teria sido recalcado pela modernidade e por seus processos de racionalização. O que se segue são apenas algumas notas a respeito destas expectativas utópicas embutidas na ideologia pós-moderna.
Tomemos como exemplo, o discurso da dissolução do eu como unidade sintética. Sabemos como o eu está profundamente vinculado à imagem do corpo próprio, ao ponto em que desarticulações na imagem do corpo próprio afetam necessariamente a capacidade de síntese do eu. Mas, se voltarmos os olhos para a retórica do consumo e da indústria cultural, veremos como elas passaram por mutações profundas que afetaram o regime de disponibilização das imagens ideais de corpo. Ao invés de locus da identidade estável, o corpo fornecido pela industria cultural e pela retórica do consumo aparece cada vez mais como matéria plástica, espaço de afirmação da multiplicidade. Isto levou um sociólogo como Mike Featherstone a afirmar que no interior da cultura do consumo, o corpo sempre foi apresentado como um objeto pronto para transformações1. Aparece assim a imagem do corpo como interface e superfície de reconfiguração que coloca o sujeito diante da instabilidade de personalidades múltiplas e da des-identidade subjetiva.
De fato, a imagem de um corpo reconfigurável já fazia parte do imaginário de certos setores avançados da cultura de massa graças a cineastas como David Cronemberg ("Videodrome" e, mais recentemente "Ex-istenz") e a artistas como Cindy Sherman (com suas séries de auto-retratos em clichês de filme e de moda) e Orlan (com suas performances nas quais seu rosto era reconstruido cirurgicamente a partir dos modelos da beleza clássica: Gioconda, Vênus, Europa, Diana etc.). Mas atualmente tais imagens migraram para o cerne da cultura de consumo através da publicidade.
À primeira vista, poderia parecer que a migração de representações desta natureza estaria marcando com o selo da obsolescência a idéia frankfurtiana da indústria cultural como negação absoluta da individualidade. Pois, ao invés das operações de socialização através da exigência de identificação com um conjunto determinado de imagens ideias, estaríamos agora diante de uma indústria cultural que incita a reconfiguração contínua e a construção performativa de identidades. Na verdade, o setor mais avançado da cultura do consumo não forneceria mais ao eu a positividade de modelos estáticos de identificação. Ele forneceria apenas a forma vazia da reconfiguração contínua de si que parece aceitar, dissolver e passar por todos conteúdos. Isto pode nos explicar porque temos cada vez menos necessidade de padrões claros de conformação do corpo a ideais sociais.
Tomemos um outro exemplo que caracterizaria de maneira mais clara a promessa utópica pós-moderna de ultrapassar a modernidade. Ela vem do campo do político. Grosso modo, diríamos que uma das grandes utopias da modernidade foi a possibilidade de efetivação daquilo que poderíamos chamar de política da felicidade.
Pensemos, por exemplo, nesta declaração de Saint-Just, pronunciada na Tribuna da Convenção em 3 de março de 1794, diante das possibilidades abertas pela Revolução Francesa: A felicidade é uma idéia nova na Europa. Para Saint-Just, a felicidade era uma idéia nova na Europa porque, pela primeira vez, ela poderia guiar a racionalidade das esferas que compõem o político. Neste sentido, o primeiro parágrafo da Declaração que precede a Constituição de 1793 não poderia ser mais claro: O objetivo da sociedade é a felicidade geral ("bonheur commune") e o governo é seu defensor.
Que a promessa de realização de uma política da felicidade apareça em um momento histórico fundador da modernidade política, isto é algo que não nos surpreende. A escatologia própria a toda política revolucionária moderna depende da promessa utópica da efetivação possível de uma realidade jurídica na qual Lei social e satisfação subjetiva possam enfim aparecer reconciliadas. É por levar em conta as aspirações do princípio de subjetividade no interior da esfera do político que podemos dizer que estamos diante de uma noção de felicidade enquanto fenômeno eminentemente moderno.
Notemos a tensão interna à felicidade na sua versão moderna. Ela deve englobar, ao mesmo tempo, imperativos de reconhecimento da singularidade dos sujeitos e imperativos de integração da multiplicidade dos sujeitos na unidade do corpo social e de suas representações. Devemos assim falar em tensão interna à felicidade porque ela deve dar conta de dois imperativos aparentemente antagônicos.
Há então, na aurora do projeto moderno, uma articulação fundamental entre felicidade e universalidade que nos explica, entre outras coisas, porque todos os grandes projetos de teoria política na modernidade (iluministas, Kant, Hegel) estão de acordo em pelo menos um ponto: a ação política que visa a felicidade subjetiva deve produzir a reconciliação objetiva com o ordenamento jurídico de uma figura institucionalizada do Universal (de preferência, com a realidade jurídica do Estado justo).
Kant, por exemplo, falará da ação racional, a única capaz de produzir um agradável gozo da vida (Lebensgenuss) e que no entanto é puramente moral" como ação que visa a realização do reino dos fins, ou seja, a ligação sistemática da diversidade dos seres racionais por leis comuns. No limite, esta realização efetiva dos reinos dos fins nos levaria necessariamente à uma grande confederação de nações, última figura da institucionalização do Universal em um Estado justo. Desta forma, uma reconciliação objetiva entre vontade subjetiva e ação institucional seria possível2. Reconciliação que traria enfim a felicidade (Glückseligkeit), já que a felicidade humana aponta: mais para a auto-estima racional do que para o bem-estar3.
No interior desta política da felicidade, podemos medir o que significa o princípio de disjunção entre Lei e monções pulsionais proposto por Freud. O problema central da análise freudiana do social é moderno por excelência: Grande parte das lutas da humanidade centralizam-se em torno da tarefa única de encontrar uma acomodação conveniente, ou seja, um compromisso (Ausgleich) que traga felicidade entre reivindicações individuais e culturais; e um problema que incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal compromisso pode ser alcançado através de uma formação determinada da civilização ou se o conflito é irreconciliável4.
A resposta freudiana é conhecida: só há compromisso social através da internalização da repressão externa às monções pulsionais, principalmente ao impulso de destruição ligado à pulsao de morte e ao caráter polimórfico da sexualidade, devido ao desenvolvimento de uma consciência moral fundamentalmente vinculada à experiência da culpabilidade. Isto faz necessariamente com que o sentimento de culpa apareça como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização, o que demonstra que o preço que pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma perda de felicidade (Glückseinbusse) pela intensificação do sentimento de culpa5.
A sua maneira, Freud marca um ponto de inflexão das promessas de uma política da felicidade própria à modernidade. Freud não vê como tarefa sua pensar modos possíveis de reconciliação no interior da esfera do político. Isto, Lacan sabia ao afirmar que, a respeito da felicidade, Freud reconhece que não há absolutamente nada de preparado, nem no macrocosmo, nem no microcosmo6. Mas quais são as consequências políticas deste despreparo?
Uma destas consequências é o simples abandono de uma política da felicidade. Lembremos como nosso tempo conseguiu marcar com o selo da obsolescência e do totalitarismo toda articulação entre satisfação subjetiva e os imperativos de universalidade. Nada mais suspeito atualmente do que falar em universalismo, e principalmente no que diz respeito ao sexual. Neste sentido, nós poderíamos mesmo falar em um deslocamento da política da felicidade a um outro paradigma que poderíamos chamar de política do gozo. Trata-se de uma política marcada não mais pelos imperativos de adequação entre Lei e satisfação subjetiva, mas pela possibilidade de uma relação de imanência com um gozo que se conjuga no particular, gozo que seria modo de assunção da multiplicidade plástica e infinita da sexualidade.
A política do gozo não reconhece a legitimidade de nenhum apelo ao Universal ou a uma Lei universalmente partilhada. Contrariamente à política da felicidade, a política do gozo defende, por exemplo, a singularidade da produção indeterminada de identidades sexuais como espaço privilegiado de reconhecimento político. Isto nos leva, por exemplo, à política de identidades, ao multiculturalismo liberal, à política de gêneros, entre outros.
No entanto, há várias críticas que podemos fazer ao projeto utópico da pós-modernidade, projeto que pode estar travestido de hipermodernidade (que nada mais é do que uma visão liberal que compreende a modernidade como espaço vinculado ao advento do individualismo, do mercado e da liberdade, ou seja, individualismo que se afirma no mercado através da liberdade de escolha de opções disponibilizadas no mercado). A utopia da afirmação e da performatividade de singularidades puras parte do pressuposto de que estamos vendo o advento de uma sociedade não-repressiva. Fim da repressão do eu, fim da repressão de uma felicidade que deve necessariamente enquadrar-se no universal, advento da flexibilidade e o do Risco como categoria ontológica do ser-no-mundo contemporâneo, entre outros.
Creio que, ao contrário, devemos estar atentos para as técnicas disciplinares em ação nas sociedades contemporâneas. Ela pode nos mostrar como a utopia pós-moderna pode transformar-se, na verdade, em esquema de legitimação de práticas de poder na sociedade capitalista de consumo. Devemos nos perguntar então como o poder se constitui na contemporaneidade.
Tal pergunta é central porque o poder não se constitui mais a partir de processos repressivos, mas através de uma ética do direito ao gozo. Lembremos que o discurso do capitalismo contemporâneo precisa da procura ao gozo que impulsiona a plasticidade infinita da produção das possibilidades de escolha no universo do consumo. Ele precisa da regulação do gozo no interior de um universo mercantil estruturado. Ou seja, não mais a repressão ao gozo, mas o gozo como imperativo. Daí porque ele nos lembra que o verdadeiro imperativo do supereu na contemporaneidade é: Goza!. Ou seja, o gozo transformado em uma obrigação.
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